Como a juventude pode interagir na defesa dos patrimônios dos municípios de Garopaba e Imbituba

História de Garopaba
Aqui para você
Segundo Costa (2016), Garopaba surgiu no projeto de colonização do litoral catarinense em 1793, com a fundação de uma armação baleeira. As armações baleeiras constituíram-se como o principal empreendimento manufatureiro do período colonial no litoral catarinense e, segundo Elis (1969), a pesca da baleia “foi atividade que mais articulou economicamente a faixa litorânea e agregou um grande número de escravos, que representavam um investimento de capital para as armações” (Apud RAIMUNDO, 2013, p.3). As armações baleeiras, com suas estruturas complexas compostas por trapiches, tanques, engenho de frigir, fornalhas, senzalas e casa grande (BITENCOURT 2005; RAIMUNDO, 2013) processavam os cetáceos, de cuja gordura era extraído o óleo utilizado na iluminação e das barbatanas confeccionavam-se espartilhos. A carne possuía pouco valor e era vendida ou distribuída à população mais pobre. A borra (resíduos ou mucilagem acumulada no fundo dos tanques) era utilizada como componente de argamassa na construção civil. (BITENCOURT, 2005)
Nas armações baleeiras o uso do trabalho escravo de origem africana era intenso, principalmente nas atividades em terra (RAIMUNDO, 2013). Durante o século XIX os escravos e seus descendentes representam parcela significativa da população da freguesia de Garopaba, conforme dados publicados por Besen (1996). Ainda hoje a presença de afrodescendentes é bastante significativa no município, resultando inclusive no reconhecimento de dois quilombos (Aldeia e Morro do Fortunato).
É a partir da armação baleeira que se intensifica a ocupação humana de Garopaba, especialmente pelo elemento açoriano, que se dedicou às atividades pesqueiras e agrícolas, e pelo elemento italiano a partir do início do século XX. A cultura de base açoriana que se estabelece na região, dedica-se à pesca e à agricultura e constrói uma rede de atividades comunitárias que fortalecem o sentimento de identidade local, algumas delas subsistindo, como a prática da farinhada, a festa do Divino Espírito Santo e a pesca da tainha.COSTA, 2016.
Em 1890 ocorre o desmembramento de Garopaba de São José e sua elevação a município, perdendo esta condição em 1923, quando passa pertencer a Imbituba, sendo anexado em 1930 ao município de Palhoça na condição de distrito. Segundo Valentim (2007), a anulação da emancipação de Garopaba ocorreu por decisão do governador Hercílio Luz, que supriu municípios deficitários e onerosos para o governo estadual, o mesmo ocorrendo com Imbituba em 1930. Em 1961 o distrito de Garopaba é novamente emancipado.
Na década de 1960 o governador Ivo Silveira contratou o fotógrafo Manfredo Hubner para fotografar a construção da sede da colônia de pescadores. Hubner era um militar gaúcho e retornou outras vezes à cidade, trazendo consigo amigos jornalistas que começaram escrever reportagens sobre a cidade para jornais do Rio Grande do Sul. Segundo Alvim (2014), Garopaba começou a ser divulgada, especialmente no Rio Grande do Sul, como um lugar em que era possível escapar da vigilância e da repressão comum aos anos 70. Ainda segundo ela, produtos culturais como a canção “Deu pra ti” gravada por Kleiton e Kledir em 1981, e o filme “Deu pra ti anos 70”, dirigido por Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti também em 1981, divulgavam Garopaba como um lugar especial e místico, “ um lugar de liberdade para uma geração reprimida de uma cidade” (ALVIM, 2014, p. 221), nesta caso, Porto Alegre. É esta imagem que começa a atrair para a cidade uma grande quantidade de turistas jovens, adeptos da contracultura e da prática do surfe.
Exaltava-se da cidade seu ritmo sossegado, bucólico, a natureza exuberante, o estilo de vida antigo, a sabedoria dos homens do mar e o equilíbrio da relação homem/natureza. (...) Garopaba aparecia com certa frequência como sugestão de lugar de veraneio e, ao que parece, a pouca infraestrutura da cidade no início daquela década não era vista como um empecilho. O rústico, neste caso, é visto como positivo.(ALVIM, 2014, p.222-223).
No final da década de 1970 tem início a explosão demográfica de Garopaba. O movimento migratório, provindo principalmente do Rio Grande do Sul, dobrou a população local entre 1977 e 2014, alterando profundamente a paisagem. De pequena cidade dedicada à pesca artesanal, à agricultura e ao extrativismo da madeira, transformou-se em importante balneário e polo de atração populacional. Sua malha urbana se expandiu horizontalmente, avançando sobre áreas até então ocupadas por pastagens e florestas, e seu centro histórico, antiga armação baleeira em torno da qual se espraiou a antiga vila de pescadores com seu casario de arquitetura de base açoriana e ruas estreitas, é hoje alvo do processo de gentrificação.
Para além das transformações da paisagem urbana, estão as alterações da paisagem cultural. Saberes e fazeres tradicionais foram perdendo espaço. Práticas comunitárias como a farinhada e a pesca artesanal da tainha, importantes elementos identitários, tornam-se cada vez menos comuns no cotidiano garopabense. A forte imigração alterou radicalmente a dinâmica do sistema cultural local.
Conforme apontado por Laraia (1986), a mudança cultural pode ser operada por dinâmicas internas e externas, representadas pela explosão demográfica resultante não de um crescimento vegetativo, mas do movimento migratório, promoveram uma rápida e intensa reconfiguração da paisagem cultural local a partir da década de 1980, especialmente após a pavimentação da rodovia SC - 434, que liga a cidade à rodovia BR - 101. Esta reconfiguração da paisagem cultural resultou em uma ruptura entre o cotidiano e as referências simbólicas dos moradores antigos para as populações recentes, muito mais numerosas, provocando a desterritorialização da cultura tradicional e a alteração da base econômica do município. Fenômeno que se intensifica nas décadas seguintes.
[Garopaba] tuvo un alarmante crecimiento de su población urbana del 193% desde el año 1991 hasta el 2010, lo que indica una estrecha relación con el fuerte movimiento inmigratorio hacia este litoral (...). Por otro lado, investigaciones anteriores demuestran que el crecimiento urbano también supuso un detrimento de la actividad rural regional, la cual cambió la dirección de sus esfuerzos hacia actividades relacionadas con el turismo de masas. (SPERB, SERVA e FIRMINO. 2013, p. 49).
Este “alarmante crescimento populacional” implica, portanto, em mudanças na base econômica da cidade e na própria distribuição das propriedades, que deixam de pertencer aos seus moradores tradicionais.
A rápida valorização imobiliária traz uma grande circulação econômica e no curto espaço de tempo. Entre a chegada da energia elétrica em 1966 e o asfalto em 1986, 60% de Garopaba já não pertencia aos seus moradores. (SOLLER e CASTROGIONANNI, 2014, p. 201).
Naquilo que tange ao patrimônio cultural de Garopaba, a intensa e recente alteração da paisagem humana local e o processo de gentrificação podem significar a destruição de importantes marcos paisagísticos e simbólicos, bem como a eliminação de saberes, fazeres e sensibilidades tradicionais. Isto ocorre não tanto pela irrupção dos recentes elementos culturais exógenos, mas principalmente pela ausência de uma política municipal que garanta a preservação do patrimônio cultural l.ocal, bem como a inexistência de equipamentos públicos culturais.